sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Não Matarás



Tudo era vermelho, meu sangue embotava-me a visão e o dele respingava na parede a cada golpe. Estávamos exaustos e não havia mais a possibilidade de um vencedor na disputa. Disputa!?! O motivo já havia sido engolido, misturado ao caldo grosso, quente e enferrujado que me enchia a boca e escorria na camisa. Ele repetia a mesma frase sempre que me atacava, eu apenas socava, sem força e sem direção ao perceber um movimento mais próximo. Estávamos cercados por fantasmas que assombrávamos com nossos gemidos, os gestos já automatizados faziam a cabeça e o tronco balançarem num pêndulo bêbado de um boxeador veterano. Nada mais importava e decidi acabar com aquilo de uma vez, baixei a guarda, fechei os olhos e esperei o golpe que não tardou, senti os ossos de seu punho esmagando meu nariz, o fluído que me entupia as vias impelido com força garganta abaixo, a cabeça arremessada chocou-se contra a parede, cai sobre a mesa de canto e permaneci ali imóvel até a manhã seguinte. Levantei com muita dificuldade e muitas dores, ele estava desmaiado sobre o tapete da sala, caminhei até a gaveta da cômoda e, segurando firme com as duas mãos, enfie seguidas vezes a tesoura longa e pontuda em sua garganta, dessa vez não conseguiu repetir frase alguma, aguardei até que o sangue passasse a escorrer mais lentamente, fui até a cozinha, fiz o café e pensei: “forte e hoje só para um”.

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