quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Apartamento 121


Estava um calor do cão! Não havia uma brisa e a janela escancarada servia apenas para trânsito de mosquitos. Tomei um banho frio e, mantendo as luzes apagadas, me abandonei à beira da janela para secar. A proximidade entre os prédios causa uma sensação de sufocamento, uma agonia, além da constante invasão de privacidade, olho o apartamento em frente ao meu, mesmo sem iluminação, vejo quase toda a sacada, a maior parte da sala e um canto da cozinha: ninguém em casa, eu também deveria sair. Convidei meu relógio, mas ele foi logo mudando de assunto, me lembrando da reunião que iniciaria em algumas horas. Inferno!
Levantei em busca de algo para beber e voltei me posicionando novamente à janela, ali parecia o único lugar habitável. A nova cerveja pediu um cigarro que resistiu um pouco a queimar,
parecia úmido, tirando o encanto da primeira tragada.
Ainda não havia acertado novamente uma posição confortável à cadeira, quando vi um clarão na sacada da frente, havia alguém lá! Agora dava para perceber um vulto e a brasa do cigarro avivando de tempo em tempo. Colei na janela e a pessoa parecia também se ajeitar melhor em algo que lembrava um banco largo que saia da porta da sala e se perdia na escuridão. Eu observava imóvel, pés surgiram das sombras e, suavemente se posicionaram, um sobre o outro, na parte mais clara do banco. Bem mais animado, fui até a cozinha pegar outra cerveja, voltei a meu posto a tempo de ouvir do outro lado uma latinha sendo aberta.
Seria coincidência? Peguei a vela, que fica guardada na gaveta ao lado da cama, e iluminei o canto da janela. De alguma forma aguardava uma resposta vinda do outro lado, levou algum tempo, mas ela veio, a luz de um celular se acendeu, não houve nenhum som, apenas a luz constante virada para meu lado. Apoiei a bebida na janela e movi a vela mais para o meu lado. Ela respondeu percorrendo com o celular suas pernas lentamente até pouco acima dos joelhos para depois, rapidamente, subir pelo corpo e tornar a aponta-lo para mim. A boca seca e o olhar fixo aguardavam o próximo movimento,  demorei a perceber que era "a minha vez", mas não conseguia imaginar algo, o suor escorria por minhas costas. A luz do celular dela se apagou, mal sinal. Já estava pirando com minha falta de imaginação quando pensei em algo, era um pouco arriscado, mas me pareceu conveniente dada a falta de outras opções... Lentamente me levantei e vesti uma camiseta.
A luz do celular acendeu novamente, agora sobre o banco, e percebi alguns movimentos, eu poderia estar enganado mas... não, eu devia estar enganado. Coloquei uma bermuda e mais movimentos sucederam-se. Sai. No hall chamei o elevador, mas estava preocupado com a vela acesa no quarto, voltei sorrateiramente, dei uma olhadinha para o outro ap e vi a porta se fechando, acho que a mensagem foi recebida. Apaguei a vela e sai em disparada, seria melhor se eu chegasse primeiro à rua, veria ela saindo de seu prédio. Como se adiantasse, chamei novamente o elevador, demorou uma eternidade, mas não achei boa idéia descer os 12 andares pelas escadas. Já sabia que meu plano estava frustrado, ela certamente já saíra de seu prédio... eu seria a caça.
Havia muita gente na rua, precisei de alguns segundos, talvez um minuto, para voltar a raciocinar. Olhei ao redor mas não via ninguém que "parecesse" ser ela, procurei um lugar de onde pudesse observar a entrada do seu prédio, quem sabe o elevador dela também não tivesse demorado. Do prédio só saiu uma senhora segurando um cachorro... entrei no boteco do Moacir e peguei mais uma cerveja, não sabia o que fazer. A medida que os transeuntes iam escasseando, mais confuso eu ficava, voltei ao bar paguei as cervejas - já haviam sido consumidas três - e sai derrotado. Voltei a meu prédio sem pressa, o elevador já me esperava, ao entrar em casa acendi a luz quebrando o resto de clima que ainda pairava, voltei à janela, nenhum movimento, nenhuma luz, nenhuma pista... até que chutei uma bolota de papel que estava no chão. Eram folhas de revista embrulhando um bilhete curto:
Apartamento 121 - Mas não hoje.

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