quarta-feira, 18 de maio de 2016

Coletivo



"Filho da Puta", era assim que o ônibus da linha 1525-S, Vila Cândida - Berrini, era carinhosamente chamado por seus passageiros.
- Puta que o pariu, me atrasei, o Filho da Puta já passou?
Chegando ao ponto, o rapaz pergunta, conferindo o atraso no relógio.
- Passou um lotado que só o caralho.
Responde com ar de lamento a senhora que já se encontrava no ponto e sua filha complementa com uma análise precisa da situação:
- Nem adianta. Tava cheio pá porra!!
O rapaz e a senhora continuaram conjecturando sobre a condição precária do transporte coletivo, principalmente nos pontos mais afastados da cidade:
- Que bosta, isso que dá morar no cu do mundo!
- É os caras querem mais que o pobre se foda!
- Nem me fale! E o corno do meu chefe não quer saber de porra nenhuma, 15 minutos de atraso e já me corta o ponto! Engravatado de merda.
Passados 20 min, novo hermético coletivo se aproxima, os três respiram fundo.
A mulher encara o rapaz e em seguida com a sobrancelha faz um sinal para a filha.
O veículo completamente lotado exige uma certa estratégia nas paradas: O motorista faz a aproximação mantendo a velocidade com a qual vinha e em cima do ponto, com gosto, afunda a botina no freio que zurra em homenagem ao condutor. A massa, que já estava no nível extremo de compactação, aproxima-se mais e num mesmo instante vários corpos passam a ocupar o mesmo espaço, meio degrau se oferece aos pretensos passageiros, a mulher calcula com precisão aonde a porta vai parar, se ajeita de modo a oferecer ao rapaz o flanco direito, o rapaz não percebe a manobra e acha que conquistará a preferência de embarque, avança pela direita, ainda no segundo passo ele é interrompido, pela mulher com um leve "jogo de bunda", e fica sem passagem não chegando à porta, a filha avança pelo centro, habilidosa, mantém os pés bem juntos e finca posição no último degrau, como em um bailado a mulher coloca seus pés um de cada lado dos pés da menina, ambas seguram firme na barra de apoio e são agora o ponto de maior tensão no ônibus, a multidão em refluxo tenta retomar o espaço cedido com a freada e os candidatos a passageiros tentando um mínimo apoio para alavancar o ingresso.
Entra em cena o mediador-cobrador:
- Sem fechar a porta o ônibus não saí!
O desconforto é geral, todos tentam se ajeitar para possibilitar à maldita porta de fechar.
Do rapaz, os pés, ainda na calçada, já admitem a derrota, mas o braço guerreiro mantém-se firme segurando a barra e sem sucesso puxando o corpo para cima da mulher.
A porta começa seu trabalho psicológico:
- tchhh tchuuu tchitchi tchuuuu. Ameaçando fechar.
Da massa surge a voz libertadora:
- Olha, o de traz está vazio!
O rapaz se distrai para olhar, o braço falseia e a mulher deixa o peso do corpo fazer o resto do serviço:
- tchhhhh puffffff
A porta se fecha, o tal ônibus vazio está indo para garagem, a mulher e a filha se olham e da calçada o homem ainda mantém o braço a meia altura:
- Filho da puta!
Djair agora em silêncio, já calcula o prejuízo do atraso no holerite.

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