quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Os Outros



Há um que é uma dívida,
um outro é recreio,
é puro fascínio,
é fim, sem um meio.

É sempre uma parte,
às vezes é feio,
se a vida tá seca,
há um que é recheio.

Há um que é caminho,
há um que é vagueio,
se a rua é escura,
um outro é candeio.

Um outro é vontade,
um enorme anseio,
a vida é ladeira
há um outro que é freio.

E todos me habitam
os tenho em meu seio,
quando a vida derruba
vem um que é esteio.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Apartamento 121


Estava um calor do cão! Não havia uma brisa e a janela escancarada servia apenas para trânsito de mosquitos. Tomei um banho frio e, mantendo as luzes apagadas, me abandonei à beira da janela para secar. A proximidade entre os prédios causa uma sensação de sufocamento, uma agonia, além da constante invasão de privacidade, olho o apartamento em frente ao meu, mesmo sem iluminação, vejo quase toda a sacada, a maior parte da sala e um canto da cozinha: ninguém em casa, eu também deveria sair. Convidei meu relógio, mas ele foi logo mudando de assunto, me lembrando da reunião que iniciaria em algumas horas. Inferno!
Levantei em busca de algo para beber e voltei me posicionando novamente à janela, ali parecia o único lugar habitável. A nova cerveja pediu um cigarro que resistiu um pouco a queimar,
parecia úmido, tirando o encanto da primeira tragada.
Ainda não havia acertado novamente uma posição confortável à cadeira, quando vi um clarão na sacada da frente, havia alguém lá! Agora dava para perceber um vulto e a brasa do cigarro avivando de tempo em tempo. Colei na janela e a pessoa parecia também se ajeitar melhor em algo que lembrava um banco largo que saia da porta da sala e se perdia na escuridão. Eu observava imóvel, pés surgiram das sombras e, suavemente se posicionaram, um sobre o outro, na parte mais clara do banco. Bem mais animado, fui até a cozinha pegar outra cerveja, voltei a meu posto a tempo de ouvir do outro lado uma latinha sendo aberta.
Seria coincidência? Peguei a vela, que fica guardada na gaveta ao lado da cama, e iluminei o canto da janela. De alguma forma aguardava uma resposta vinda do outro lado, levou algum tempo, mas ela veio, a luz de um celular se acendeu, não houve nenhum som, apenas a luz constante virada para meu lado. Apoiei a bebida na janela e movi a vela mais para o meu lado. Ela respondeu percorrendo com o celular suas pernas lentamente até pouco acima dos joelhos para depois, rapidamente, subir pelo corpo e tornar a aponta-lo para mim. A boca seca e o olhar fixo aguardavam o próximo movimento,  demorei a perceber que era "a minha vez", mas não conseguia imaginar algo, o suor escorria por minhas costas. A luz do celular dela se apagou, mal sinal. Já estava pirando com minha falta de imaginação quando pensei em algo, era um pouco arriscado, mas me pareceu conveniente dada a falta de outras opções... Lentamente me levantei e vesti uma camiseta.
A luz do celular acendeu novamente, agora sobre o banco, e percebi alguns movimentos, eu poderia estar enganado mas... não, eu devia estar enganado. Coloquei uma bermuda e mais movimentos sucederam-se. Sai. No hall chamei o elevador, mas estava preocupado com a vela acesa no quarto, voltei sorrateiramente, dei uma olhadinha para o outro ap e vi a porta se fechando, acho que a mensagem foi recebida. Apaguei a vela e sai em disparada, seria melhor se eu chegasse primeiro à rua, veria ela saindo de seu prédio. Como se adiantasse, chamei novamente o elevador, demorou uma eternidade, mas não achei boa idéia descer os 12 andares pelas escadas. Já sabia que meu plano estava frustrado, ela certamente já saíra de seu prédio... eu seria a caça.
Havia muita gente na rua, precisei de alguns segundos, talvez um minuto, para voltar a raciocinar. Olhei ao redor mas não via ninguém que "parecesse" ser ela, procurei um lugar de onde pudesse observar a entrada do seu prédio, quem sabe o elevador dela também não tivesse demorado. Do prédio só saiu uma senhora segurando um cachorro... entrei no boteco do Moacir e peguei mais uma cerveja, não sabia o que fazer. A medida que os transeuntes iam escasseando, mais confuso eu ficava, voltei ao bar paguei as cervejas - já haviam sido consumidas três - e sai derrotado. Voltei a meu prédio sem pressa, o elevador já me esperava, ao entrar em casa acendi a luz quebrando o resto de clima que ainda pairava, voltei à janela, nenhum movimento, nenhuma luz, nenhuma pista... até que chutei uma bolota de papel que estava no chão. Eram folhas de revista embrulhando um bilhete curto:
Apartamento 121 - Mas não hoje.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Cidade Deserta


Calma a madrugada despedia-se abrindo espaço para a manhã que, inconsequente, o empurrava a mais um dia.
Em nome do silêncio voltava ao quarto a tempo de calar o despertador que ainda dormia.
Do abraço morno do chuveiro, soltava-se com alguma dificuldade.
Engolia algo que poderia ser uma maçã.
No carro ninguém buscava música em outra estação. Saídas do rádio, as notícias empoçavam no banco do passageiro.
Ninguém lhe avisava do farol amarelado recentemente.
Ninguém pedia-lhe calma.
Parou na Santo Amaro mas ninguém desceu.
Trabalhou o dia inteiro e ninguém ligou.
Almoçou por obrigação, ninguém provou de sua sobremesa que voltou intacta.
Na volta ao "lar", não contou a ninguém de seu dia.
Não soube de nada.
Não aconteceu nada.
Parou na padaria, ninguém comprou algo para comer.
Brindou à noite, suplicou à lua e entregou-se sem briga a um último trago.
Da sacada olhava as luzes que se distanciavam velozes na cidade d e s e r t a.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Por que será que a gente terminou?


Há pouco, enquanto arrumava na estante os livros que você esqueceu embaixo da cama - talvez pela pressa que estava de ir embora - acabei folheando um deles e pensei triste com meus botões: "Por que alguém leria essa merda?!?" Além desse pensamento bucólico e sincero, pontadas duras e doloridas no peito acusavam sua ausência e, misturado ao sentimento intenso de rejeição, o lamento interrogativo de um coração prático, mas que eu acho que te amava: Por que será que a gente terminou?!?

Amanhã quando eu não for acordado por seu despertador antes da minha hora, vou levantar, mas não encontrarei um restinho de café para tomar antes de sair; também não haverá pendurada na torneira do chuveiro nenhum adereço. Ao sair, pelo hábito, olharei na geladeira para ver se seu iogurte acabou e me perguntarei: Por que será que a gente terminou?!?

Trabalharei até às 18 amanhã; no máximo até às 19, não mais que isso, vou encontrar os da antiga no bar, passado o mal estar do "só veio encontrar com a gente por que levou um pé na bunda", tudo voltará ao normal e falaremos de futebol, sobre ações, sobre chefes incompetentes e empresas gananciosas, chegando finalmente à vocês e em especial a você e, naquela hora, com o quorum da mesa já bem reduzido, perguntarei prô Rafael, que mal entenderá a pergunta, o porque da gente ter terminado.

Assim que a batida da porta na sua saída parava aos poucos de ecoar na minha cabeça, pensei em te escrever, mas não sei como fazê-lo, nunca soube, talvez a falta de gosto pela leitura - que você com certa arrogância sempre criticou - tenha me tirado a possibilidade de escrever, pensei, para em seguida mudar de idéia, eu não escreveria, eu não sei me expressar, nem as músicas, que outrora me traduziam em palavras servem para mais nada! Quando foi que a gente terminou?

Tanto que eu tentei seguir sua linha, me basear em seus exemplos, mas você nunca reconheceu isso.

Como pode essa enxurrada de pensamentos me chegar assim de repente? Eu esticando o braço, apagando a luz e me veio esse redemoinho de idéias. Espero que a Marinha não tenha notado, sabe quem é né? Aquela vizinha gostosinha. Ela veio aqui um pouco depois de sua saída, preocupada com o falatório, acabou aceitando uma cerveja, foi ficando, ficando. Acendo novamente a luz e olho meu sorriso no espelho e pergunto: Por que será que a gente terminou, só agora?

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Caminho da música


Prá onde vai a música depois que ela acaba? 
Em meu ouvido ainda ecoa doce a batida 
o coração ainda acompanha o batuque 
meu sorriso ainda tão cheio de vida 
mas meu céu volta a ser feito de estuque.

quinta-feira, 15 de março de 2012

De amores



Você,
outrora bamba e hesitante,
agora apontava firme
descendo vagarosamente a mira
por minha testa,
entre meus olhos
sobre meu nariz
minha boca,
garganta em nó
peito
e, chegado o coração,
disparou seca:
"Eu te amo".
Morri,
de amores!